Em artigo publicado no livro O mito do planejamento urbano democrático: reflexões a partir de Curitiba, o especialista em políticas urbanas, Alexandre Pedrozo, provoca questionamentos sobre toda técnica e todo método de participação utilizado no planejamento ou revisão de um Plano Diretor.
Segundo o autor, coordenar um processo de revisão de lei não significa decidir os princípios, objetivos e as metas do Plano, e sim, orientar metodologicamente a construção de um pacto ou de vários pactos.
“Considerando o processo recente de revisão do Plano Diretor de Curitiba, coordenado pelo IPPUC, e analisando o texto resultante do projeto de lei municipal, encaminhado em 2015 para tramitação na Câmara Municipal de Curitiba, fica evidente que não existiu uma intenção de mudança e, portanto, uma intenção de desenvolvimento”, aponta Pedrozo.
Para ele, a visão tecnicista do IPPUC coordenou um debate superficial que não levou em conta o caráter político do planejamento urbano e forjou a participação social, levando a sociedade curitibana a ter a ilusão de ter participado.
A Frente Mobiliza Curitiba tem pautado esse tema durante o processo de revisão da Lei de Zoneamento e Uso do Solo, primeiro desdobramento do Plano Diretor, em curso até meados de junho.
A proposta deve ser entregue a prefeitura antes do segundo semestre de 2016, o que gera preocupação de entidades da sociedade civil devido ao tempo disponível para debate. O receio é que aconteça neste processo de revisão, o mesmo que aconteceu durante a revisão do Plano, considerando um só mais um plano desenvolvido para Curitiba e não um plano de desenvolvimento.
>> Acesso o livro O mito do planejamento urbano democrático: reflexões a partir de Curitiba
Curitiba – entre desenvolver mais um plano ou planejar o desenvolvimento
Por Alexandre Pedrozo, especialista em políticas urbanas
O processo de elaboração ou revisão de um Plano Diretor municipal é, normalmente, constituído de algumas etapas básicas, independentemente da complexidade do fenômeno urbano. Para uma pequena cidade no interior ou para uma capital, sede de Região Metropolitana, como é o caso de Curitiba, a iniciativa de planejar ou revisar o plano vigente exige um debate sobre toda técnica e todo método de participação utilizado.
O resultado final desejado, além de um desenho de estruturação urbana e diálogo entre uso, ocupação do solo e mobilidade é a construção coletiva de um pacto para o DESENVOLVIMENTO urbano, conceito tão controverso e muitas vezes utilizado em frases de efeito nos planos municipais, porém, sem conteúdo ou significado óbvio.
Diferente de grande parte dos municípios brasileiros que contratam consultorias completas, Curitiba tem condição de coordenar um plano por meio da constituição de grupos de trabalho com servidores públicos, em especial, gestores de carreira, com acúmulo técnico e conhecimento da realidade municipal. Esse é um diferencial importante para o município que, no passado, inovou ao institucionalizar o planejamento e um núcleo central de coordenação, pesquisa e monitoramento do Plano.
Coordenar, no entanto, no campo democrático, não significa decidir os princípios, objetivos e as metas do Plano, significa orientar metodologicamente a construção de um pacto ou de vários pactos.
Um dos pactos iniciais deve ser formulado sobre a leitura da realidade, porque nem todos compreendem a cidade da mesma forma. Também não existe consenso sobre quais os temas e os respectivos pesos com os quais devem ser tratados no decorrer do Plano. Não existe consenso sobre o atual estágio de desenvolvimento da cidade e quais as metas ou indicadores que devem ser utilizados para monitorar os resultados do planejamento.
Entre outras divergências, não existe consenso sobre o significado da palavra desenvolvimento, como tantos outros significados que permeiam o processo de planejamento, ainda mais quando desenvolvidos de forma democrática.
É válido destacar que democracia não se mede por quantidade de eventos e de participantes! Democracia se mede, entre outras variáveis, pela equalização das condições de debate e pelo respeito ao contraditório.
Todos concordam que devemos desenvolver Curitiba. Todo o Plano municipal pressupõe uma intenção de desenvolvimento. Existe um pacto aqui? Sim, até que cada força ou segmento social explique o que entende por “desenvolvimento”.
Jorge Wilheim, coautor do Plano Diretor vigente de Curitiba, instituído em 1966, defendeu que “não há desenvolvimento quando o ambiente é prejudicado, os indicadores sociais pioram, a dignidade humana é desprezada, a oportunidade de trabalho diminuída, a democracia prejudicada, a riqueza concentrada e injustamente distribuída, e a economia estagnada.” (BNDES, 2002 ).
Considerando o processo recente de revisão do Plano Diretor de Curitiba, coordenado pelo IPPUC, e analisando o texto resultante do projeto de lei municipal, encaminhado em 2015 para tramitação na Câmara Municipal de Curitiba, fica evidente que não existiu uma intenção de mudança e, portanto, uma intenção de desenvolvimento.
A sociedade curitibana participou (ou assistiu e teve a ilusão de ter participado) de um processo “participativo” sem significado, com perguntas vazias, respostas frágeis e pouco fundamentadas e com base em um diagnóstico superficial (nas raras vezes em que algum dado ou análise técnica foi levado a público).
Para cada variável citada por Wilheim, existe um desejo ou conjunto de desejos, estratégias e instrumentos para transformação da cidade e do seu modo de produção. Existe uma realidade que deve ser analisada e enfrentada e, para esta finalidade, o IPPUC tem a condição e a responsabilidade de apresentar informações técnicas que subsidiem um diagnóstico coletivo, isto é, uma leitura política dos fatores que impedem o desenvolvimento urbano de Curitiba.
Essas informações e análises não foram elaboradas ou não foram publicadas. Os números mais objetivos como, por exemplo, tamanho de imóvel que deve ser atingido pelo IPTU Progressivo, não foram apresentados como argumentos ou justificativas para regulamentação dos instrumentos do Estatuto da Cidade.
A proposta de um plano sustentável acima do próprio Plano Diretor já demonstra uma incoerência e ignorância relativa ao Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano definido pela norma federal.
A ideia de um Plano ou processo de Redesenvolvimento para a região de Campo do Santana, ao sul de Curitiba, embora fundamentada em instrumentos historicamente utilizados no Japão e Colômbia, não foi debatida publicamente. Também não fica claro o motivo de se adotar essa terminologia, pois o instrumento democrático para esse tipo de transformação, no caso brasileiro, é a Operação Urbana Consorciada (OUC). Se existe alguma incompatibilidade entre a utilização de uma OUC e os processos/instrumentos/objetivos desse “redesenvolvimento” não foi devidamente exposta e publicamente debatida.
A proposta de redução das funções do Conselho da Cidade que, por vontade popular, deveria ser cada vez mais deliberativo sobre as questões que realmente importam, é só parte de um retrocesso no ato de planejar a cidade.
Transformar planos setoriais de habitação, mobilidade, entre outros, em atos administrativos, retiram a possibilidade (i) do aprendizado democrático e (ii) da formulação de pactos que realmente enfrentem os problemas citados por Wilheim. Temos rios mortos, mais de 300 ocupações irregulares, retenção especulativa de terras urbanizadas, instrumentos urbanísticos deturpados e nenhum destes problemas foi utilizado como base para formulação ou detalhamento dos instrumentos urbanísticos.
Caso o texto permaneça na forma como foi entregue à Câmara Municipal, teremos mais um plano desenvolvido ao invés de um novo plano de desenvolvimento.